Desde 2018, mais de 7.800 pessoas morreram devido a intervenções de agentes do Estado no Rio

De acordo com O Globo, até junho deste ano, números do Instituto de Segurança Pública mostraram que foram, em média, quase quatro vítimas por dia

Embora o Rio tenha registrado, no primeiro semestre de 2023, uma queda no número de mortes por intervenção de agentes do estado, o histórico recente fluminense revela a alta letalidade das ações das forças de segurança. De 2018 até junho deste ano, dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que 7.848 pessoas perderam a vida pelas mãos de policiais no estado. Em média, foram quase quatro mortes nessas circunstâncias por dia. No período, apenas a 16ª Área Integrada de Segurança Pública (AISP), que inclui o Complexo da Penha — onde dez pessoas foram mortas nesta quarta-feira durante uma operação das polícias Civil e Militar — registrou 321 casos.

Nesses cinco anos e meio, a quantidade de vítimas que foram a óbito em decorrência de ações policiais no Rio representa cerca de 27% do total de 29.207 mortes violentas intencionais no estado, que compõem o indicador de letalidade violenta, incluindo também os homicídios dolosos, os roubos seguidos de morte e as lesões corporais seguidas de morte, segundo números do ISP.

— É importante ressaltar que, de acordo com a literatura internacional, qualquer número acima de 10% é evidentemente caracterizante de uso abusivo da força — afirma o pesquisador Dennis Pacheco, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Nos seis primeiros meses deste ano, os dados do ISP revelam, no entanto, uma queda de 12,3% das mortes por intervenção de agentes do estado: foram 569 casos de janeiro a junho de 2023, contra 649 no mesmo período de 2022. Em todo o ano passado, no entanto, com 1.330 vítimas, o Rio só ficou atrás da Bahia (com 1.464 registros) em números absolutos de mortes em decorrência da ação policial, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado mês passado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Depois de São Paulo e Bahia, onde operações policiais deixaram 35 mortos nos últimos dias, a operação desta quarta-feira no Complexo da Penha terminou com dez corpos sendo levados na çamba de um carro, no veículo blindado da Polícia Militar e até na garupa de uma moto para a emergência do Hospital Getúlio Vargas, na Penha. Todos tinham sido baleados durante incursão policial na Vila Cruzeiro, que integra o complexo de favelas. O confronto deixou ainda cinco feridos, entre eles dois policiais militares. A operação teria sido desencadeada após a informação de que bandidos da maior facção do Rio estavam reunidos numa área de mata no alto da comunidade. Ninguém foi preso.

Vítimas chegam em carro de moradores ao Hospital Getúlio Vargas — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Vítimas chegam em carro de moradores ao Hospital Getúlio Vargas — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

O ação policial na Vila Cruzeiro levou pânico aos moradores, surpreendidos pelo tiroteio e o barulho de um helicóptero quando ainda estava escuro. Muitas pessoas não conseguiram sair de casa para trabalhar, e mais de três mil crianças ficaram sem estudar porque 16 escolas não abriram as portas. Quem enfrentou o risco teve dificuldades de embarcar em ônibus, que deixaram de circular em algumas ruas.

A Polícia Militar informou que agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core), esta da Polícia Civil, entraram na favela às 5h30. Eles não vestiam uniformes com câmeras portáteis. No mês passado, um decreto determinando o uso do equipamento pelas duas tropas de elite foi publicado por Cláudio Castro — o governador sempre se posicionou contra o monitoramento, que o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou obrigatório. Em nota, a Secretaria de Polícia Militar disse que está “em fase de elaboração uma resolução conjunta com a Secretaria de Polícia Civil que vai regulamentar o uso das câmeras corporais pelas forças especiais”.

Operação no Complexo da Penha

Operação no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio. — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Um blindado da polícia passa em frente a uma barricada incendiada no Complexo da Penha — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Vítima é levada para o Getúlio Vargas  — Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo

Operação realizada em 02/08/2023

Na Vila Cruzeiro, os chefes da maior facção do Rio se estruturam para iniciar guerras e invasões a territórios de bandos inimigos, de acordo com investigações. Segundo o porta-voz da PM, coronel Marco Andrade, o Setor de Inteligência da corporação apontou que ocorreria uma reunião da quadrilha ontem. Ele disse ainda que alguns dos bandidos vestiam uniformes similares aos das forças de segurança do estado, acrescentando que a ação foi pontual e a opção pelo confronto nunca é da polícia:

— Essa opção é de bandidos que procuram subjugar as pessoas que moram naquela região e que afrontam o estado.

Barricadas de ferro

Além de pneus em chamas, barricadas feitas com tonéis cheios de concreto e vigas de ferro fincadas nas vias da comunidade dificultaram a circulação dos veículos das polícias. Agentes tiveram que usar até máquina de solda para retirar alguns obstáculos. De acordo com Andrade, a quadrilha ainda forçou mototaxistas a circularem entre os complexos da Penha e do Alemão, pela Serra da Misericórdia, para prejudicar o trabalho dos agentes. A cena lembrou a fuga em massa de bandidos em 2010, quando favelas da região foram ocupadas para a implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

Em operação no Complexo da Penha que deixou dez mortos, policiais retiraram barricadas

Em operação no Complexo da Penha que deixou dez mortos, policiais retiraram barricadas

Sete fuzis foram apreendidos na operação, além de granadas e munição. A PM informou que nove dos mortos tinham ligação com o tráfico de drogas. Não foram divulgados detalhes da décima vítima. E a identidade de apenas dois dos mortos foi revelada: Carlos Alberto Marques Toledo, o Fiel, e Cláudio Henrique da Silva Brandão, o Do Leme.

Com cinco mandados de prisão em aberto, Carlos Alberto é apontado como gerente do tráfico nas comunidades da Fé e da Chatuba, no Complexo da Penha, com atuação também no Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho. Já Cláudio Henrique seria segurança da quadrilha.

Fonte: O Globo

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