Só 23% dos policiais usaram câmeras na megaoperação do Rio
Relatório enviado ao STF mostra que só 569 câmeras funcionaram na operação que mobilizou 2,5 mil agentes e deixou 121 mortos nos complexos da Penha e do Alemão
O Governo do Rio de Janeiro enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um relatório com detalhes sobre o uso de câmeras corporais na megaoperação realizada em 28 de outubro nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte da capital. O documento revela um dado preocupante: embora a ação tenha mobilizado cerca de 2,5 mil policiais civis e militares, apenas 569 câmeras foram de fato utilizadas — o equivalente a 23% do efetivo.
O cenário ganhou ainda mais relevância porque o ministro Alexandre de Moraes cobrou explicações sobre divergências apresentadas em relatórios anteriores e determinou que todas as imagens registradas durante a Operação Contenção fossem preservadas.
Falhas e equipamentos inoperantes
No relatório, o estado admite que problemas técnicos comprometeram o funcionamento de dezenas de câmeras. Nenhum policial do 41º BPM utilizou equipamento naquele dia, segundo o governo, devido a uma instabilidade no sistema.
A Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) relatou que uma estação de recarga com defeito deixou 32 câmeras inutilizadas, impedindo que muitos agentes civis retirassem os aparelhos antes da saída para a operação. Policiais também mencionaram instabilidades no software de operação das câmeras.
Essas informações contrastam com dados apresentados pelo Ministério Público do Rio (MPRJ), que já havia informado que menos da metade dos agentes do Bope e da Core atuou com câmeras corporais na ação.
Segundo o governo, todas as gravações feitas pelos equipamentos da Polícia Civil foram classificadas como “evidência”, assegurando a preservação completa dos arquivos. A Polícia Militar informou ter solicitado providências técnicas à empresa responsável para garantir a manutenção integral das imagens captadas.
Governo diz ter enviado “100% das informações”
O governador Cláudio Castro (PL) reiterou ao STF que todas as informações adicionais exigidas por Alexandre de Moraes foram encaminhadas. O ministro havia solicitado esclarecimentos sobre inconsistências nos números divulgados por diferentes órgãos de segurança e reiterou a necessidade de preservar todos os registros em vídeo disponíveis.
As exigências fazem parte do acompanhamento da ADPF 635 — conhecida como ADPF das Favelas — que determina regras rigidíssimas para operações policiais em comunidades e reforça a necessidade de controle externo por parte do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Entre os itens pedidos por Moraes estavam:
- cópia dos laudos de necropsia com fotos e busca de projéteis;
- relatórios de inteligência que fundamentaram a operação;
- lista nominal de policiais e câmeras empregadas;
- informações sobre alvos dos mandados;
- preservação integral das imagens gravadas.
Divergências nos números e novos documentos
O material entregue ao STF traz números diferentes dos divulgados à imprensa logo após a operação. Segundo o governo, foram 100 presos — 17 por mandados e 83 em flagrante — e 96 fuzis apreendidos. Também foram anexados laudos necroscópicos, relatórios de inteligência e listas completas com todos os agentes envolvidos.
Entre as discrepâncias apontadas por Moraes estavam:
- quantidade exata de presos por mandado;
- total de apreensões;
- número de perícias realizadas;
- quantidade e disponibilidade das imagens de câmeras corporais.
“Operação imprescindível”, afirma o RJ
O governo do estado defendeu perante o STF que a megaoperação era “absolutamente imprescindível” para cumprir 51 mandados de prisão e 145 de busca e apreensão contra lideranças do Comando Vermelho.
O relatório detalha que:
- 38 alvos tinham endereço declarado no Complexo da Penha;
- 112 endereços eram diretamente ligados à facção;
- criminosos de vários estados estavam presentes;
- havia uso intenso de armamento de guerra, drones, barricadas e monitoramento por câmeras;
- a casa de “Doca” funcionava como um “centro de comando”.
O estado também afirmou ter identificado os endereços de criminosos conhecidos — como Doca, Gadernal, Grandão, Pedro Bala e BMW — apontados como lideranças do CV e alvos diretos dos mandados judiciais.
O relatório ainda cita conexões da facção com crimes de grande repercussão, como o assassinato de quatro médicos na Barra da Tijuca e a morte da turista Diely Silva, sustentando que a região funcionava como um dos principais quartéis-generais do grupo no Rio.
Relembre a megaoperação
A Operação Contenção mobilizou 2,5 mil agentes e deixou 121 mortos, entre eles quatro policiais. A ação resultou inicialmente em 113 presos e 93 fuzis apreendidos, além de desencadear barricadas criminosas, veículos incendiados e bloqueios armados em vias expressas como a Linha Amarela e a Grajaú-Jacarepaguá.
O impacto também atingiu o transporte público, levando o município ao estágio operacional 2 devido às restrições de circulação e à insegurança generalizada na região.
Agora, com o envio dos novos documentos ao STF, caberá às autoridades federais e ao Ministério Público verificar se todos os requisitos legais foram cumpridos e se o registro audiovisual — peça-chave para o controle e a transparência — foi preservado como determinado.
