Sindicato dos Comerciários do Rio chega aos 115 anos
Após enfrentar gestão antidemocrática iniciada na ditadura e que durou 50 anos e levou a desvios milionários, entidade se reinventa para defender interesses da categoria
Parece algo muito antigo, mas há apenas oito anos, a entidade representativa de uma das categorias mais numerosas do Rio de Janeiro estava submetida a uma gestão herdada dos anos da ditadura militar. Em 2015, isso finalmente mudou com uma eleição que teve de contar com a intervenção da Justiça para poder acontecer. Este foi um dos momentos mais marcantes dos 115 anos de existência do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro, celebrados neste 29 de julho.
O sindicato nasceu como União dos Empregados do Comércio (UEC), em 29 de julho de 1908, fundada por 40 trabalhadores do comércio, dentre balconistas, viajantes, guarda-livros e faxineiros. “Esse sindicato tem, sem dúvida, uma história de luta, desde os primórdios do movimento sindical, no começo do século passado. Ainda em1886, caixeiros viajantes do Rio fizeram greve pelo fim do trabalho noturno e aos domingos. Já no começo do século 20, tivemos diversos movimentos por aumento de salários, redução de jornada e melhores condições de trabalho”, conta Márcio Ayer, presidente da entidade.
Dentre as primeiras e mais importantes causas abraçadas pelo sindicato naqueles anos — junto com outras categorias como as dos gráficos, ferroviários e tecelões — estava a luta pela redução da jornada de trabalho. O movimento foi vitorioso e conquistou uma diminuição de 16 para 12 horas diárias, em 1922. Dez anos depois, em 1932, outra conquista foi obtida com a criação do Dia do Comerciário, que passou a ser comemorado em 30 de outubro.
Intervenção militar
Mas, em 1966, com a ditadura militar, o sindicato, assim como outras entidades representativas dos trabalhadores, sofreu intervenção e, durante quase 50 anos, foi dominado pela família Mata Roma. O primeiro foi o interventor Luizant Mata Roma, que ficou à frente do sindicato por 40 anos. Morto em 2006, foi sucedido pelo filho Otton.
Os desmandos do grupo levaram a um sucateamento do patrimônio do sindicato. O Ministério Público do Trabalho começou a investigar a situação da entidade em 2006 e, com o respaldo destas investigações, a Justiça do Trabalho determinou uma intervenção em outubro de 2014.
A antiga diretoria foi destituída por suspeitas de corrupção e falta de legitimidade, já que nenhum dos membros era de fato comerciário. Naquele momento, segundo a direção atual, entre indícios de desvios, falhas de gestão e impostos não pagos, estima-se um rombo de R$ 99 milhões em suas contas, considerando apenas os cinco anos anteriores à intervenção da Justiça.
Em 2015, finalmente foi possível realizar uma eleição transparente, que reposicionou a entidade no rumo democrático e da real representação da categoria. A chapa “A hora da mudança”, liderada por Ayer, venceu com mais de 82% dos votos dos comerciários sindicalizados. Mas, não sem enfrentar obstáculos. Conforme noticiado naquele momento, cerca de 200 pessoas foram presas por depredarem a sede do sindicato, no centro do Rio, durante o processo eleitoral. Segundo as investigações, elas teriam sido pagas para promover a baderna.
Para reconstruir o sindicato, um longo caminho vem sendo percorrido. “Desde que assumimos, temos ampliado a presença nas bases, ouvindo a categoria, que tem nos ajudado a construir pautas importantes. Assim temos avançado nas conquistas, mostrando para os trabalhadores o quão importante é a presença do sindicato”, explica Ayer. Com a atual gestão, diz, o número de sócios cresceu seis vezes.
Na comemoração dos 115 anos, está sendo preparada uma revista que conta essa história e que mostra os problemas enfrentados cotidianamente pelos trabalhadores. Também haverá um ato comemorativo no dia 11 de agosto para a categoria.
Para Adilson Araújo, presidente nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), à qual o sindicato é filiado, “nesse momento em que o sindicato celebra 115 anos de existência, vale ressaltar que na entidade nós temos apenas oito anos de gestão classista. E evidentemente que nós temos motivação de sobra para celebrar, já que esse processo que nos garantiu a vitória eleitoral em 2015 se deu em circunstâncias muito complexas e adversas”.
Na avaliação de Araújo, essa nova etapa vivida pela entidade é fundamental para a representação da categoria. “A gestão da entidade sindical precisa ser democrática, transparente, ou seja, o sindicato precisa prestar contas à sua categoria. Além disso, nós não podemos conceber, em hipótese alguma, que pessoas, sobretudo aquelas que deturpam o papel consequente que deva exercer a entidade sindical, se apropriem do que é público”.
Luta pela valorização
Hoje, além do município do Rio de Janeiro, o Sindicato dos Comerciário congrega ainda Miguel Pereira e Paty do Alferes e representa uma base constituída por 300 mil trabalhadores e trabalhadoras de diferentes segmentos do comércio.
Entre varejistas e atacadistas, a categoria comerciária trabalha em diversos segmentos, como lojas, supermercados e shoppings centers. A cada ano, diz o presidente Márcio Ayer, “fazemos negociações com diferentes entidades patronais, o que desafia o sindicato a se qualificar cada vez mais. São 27 acordos coletivos anuais na data-base. Só as empresas ligadas ao Sindigêneros (supermercados e hortifrutis), por exemplo, empregam quase cem mil trabalhadores”.
Ele explica que a valorização da categoria é a pauta central e permanente da entidade. “Segundo o Dieese, após o início da pandemia, apenas metade dos trabalhadores do comércio já tinha completado dois anos no emprego. Essa rotatividade, para piorar, é uma forma de precarizar o trabalho. Cerca de 50% dos comerciários da nossa base ganham até 1,5 salário mínimo”, pondera Ayer. Outro problema enfrentado são as jornadas abusivas, que acontecem, sobretudo, nos períodos de picos de venda, como no Natal e na semana da “Black Friday”.
Além das questões enfrentadas pela categoria, a classe trabalhadora brasileira amargou uma série de ataques desde o impeachment de Dilma Rousseff, que também atingiu os comerciários. Ne esteira do golpe, vieram as reformas trabalhista e da previdência, além da ascensão da extrema-direita.
“Com Bolsonaro, além dos ataques aos nossos direitos, tivemos que enfrentar o negacionismo. Vale lembrar que, durante a pandemia, os trabalhadores dos supermercados nunca pararam. Em seu auge, enfrentavam o transporte público para chegarem ao serviço, sem vacina e inicialmente sem os materiais de proteção, como máscara, por exemplo. Tivemos que cobrar dos patrões medidas protetivas para estes trabalhadores, acionamos inclusive a justiça”, salienta Ayer.
Agora, destaca, “temos a esperança de que, com Lula, o Brasil retome o caminho do desenvolvimento, com geração de emprego e renda. Mas, é preciso reduzir os juros, para aumentar o consumo e as vendas. Com isso, o comércio cria mais empregos com melhores salários, beneficiando nosso povo”.