País aguarda resposta firme do Supremo após anos do caso Marielle
O pedido de Alexandre de Moraes para pautar o julgamento renova expectativas de responsabilização pelos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes
A movimentação em torno do caso que abalou o país em 2018 ganhou novo fôlego nesta quinta-feira (4). O ministro Alexandre de Moraes solicitou que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) defina, enfim, a data do julgamento dos réus acusados de envolvimento nos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O pedido ocorre num momento em que o país cobra respostas consistentes e justiça diante de um crime que simboliza, para muitos, o ataque direto à democracia e aos defensores de direitos humanos.
Processo concluído e pronto para ser julgado
Relator da ação, Moraes informou que o processo está apto a seguir para julgamento após a conclusão da fase de instrução, que incluiu interrogatórios, diligências complementares e a apresentação das alegações finais por Ministério Público, assistentes de acusação e defesas. Essa etapa foi encerrada entre abril e junho deste ano, e, segundo o ministro, não há qualquer pendência que impeça o avanço do caso.
O pedido de inclusão em pauta ocorre na mesma semana em que os cinco réus foram ouvidos no STF. Eles respondem a acusações de homicídio qualificado, tentativa de homicídio e organização criminosa — denúncia já acolhida integralmente pela Primeira Turma.
Quem está no banco dos réus
Os nomes envolvidos no processo incluem figuras influentes na política e na segurança pública do Rio de Janeiro, o que reforça a gravidade institucional do caso:
- Chiquinho Brazão, deputado federal, e Domingos Brazão, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, apontados pela Polícia Federal como mandantes do crime.
- Rivaldo Barbosa, delegado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio, acusado de ser o mentor intelectual do atentado.
- Ronald Paulo Alves Pereira (Major Ronald), citado por Ronnie Lessa como responsável por monitorar a rotina de Marielle antes do ataque.
- Robson Calixto Fonseca (Peixe), ex-PM e ex-assessor de Domingos Brazão, suspeito de ocultar a arma utilizada e de participar do núcleo financeiro e imobiliário do grupo.
Depoimentos marcados por emoção e contradições
Os réus prestaram depoimento à Suprema Corte em uma sequência de oitivas que revelou tensão, lágrimas e tentativas de afastar suspeitas sobre suas participações.
Chiquinho Brazão foi o primeiro a falar. Chorou durante a audiência e afirmou manter boa relação com a vereadora assassinada.
“Marielle sempre foi minha amiga. Era uma pessoa muito amável”, declarou.
Ele negou qualquer contato com Ronnie Lessa e disse ter encontrado Macalé — apontado como intermediário da “encomenda” — apenas quatro vezes. Alegou também jamais ter tratado de assuntos relacionados a milícias.
Seu irmão, Domingos Brazão, seguiu a mesma linha ao negar conhecer Lessa e sugerir que o delator Élcio de Queiroz o colocou injustamente na trama. Emocionado, desabafou:
“Eu preferia ter morrido no lugar da Marielle. Ele [Lessa] está destruindo a minha família.”
Domingos afirmou ter emagrecido 26 quilos desde a prisão e disse não compreender as acusações.
Também preso, Rivaldo Barbosa descreveu sua detenção como uma espécie de morte simbólica.
“Eu fui assassinado. Me enterraram e vou tentar ressuscitar”, afirmou.
O delegado disse ser vítima de mentiras de Ronnie Lessa e afirmou acreditar que Cristiano Girão — e não os irmãos Brazão — teria sido o verdadeiro mandante.
Já Robson Calixto (Peixe), ex-PM e considerado peça-chave no braço operacional e financeiro do grupo, negou vínculo com o executor do crime:
“Graças a Deus nunca encontrei Lessa. Eu sou motorista do Domingos.”
A Procuradoria-Geral da República, entretanto, o aponta como responsável por tarefas de grilagem, repasses de dinheiro a laranjas e pelo monitoramento da rotina de Marielle. No dia do atentado, segundo a PGR, ele teria informado Macalé sobre a agenda da vereadora — dado que teria sido repassado a Ronnie Lessa antes da execução.
Expectativa por justiça após anos de impunidade
Com a instrução processual concluída em outubro de 2024 e todas as manifestações apresentadas, Moraes reforçou no despacho desta quinta-feira que nada mais impede o julgamento:
“Considerando o regular encerramento da instrução processual […], solicito ao Presidente da Primeira Turma, Ministro Flávio Dino, dias para julgamento presencial da presente ação penal.”
Para familiares, movimentos sociais e setores progressistas, o avanço do caso no STF é um passo essencial para que o país possa enfrentar os vínculos entre crime organizado, política e estruturas de poder que historicamente se mantiveram intocáveis. A eventual responsabilização dos envolvidos pode representar não apenas justiça para Marielle e Anderson, mas também um recado firme de que o Estado brasileiro não pode compactuar com a violência política — especialmente contra quem ousa desafiar desigualdades e defender os direitos das maiorias silenciadas.
