A megaoperação foi um massacre

Em janeiro de 2026 completarei 35 anos da minha chegada ao Rio de Janeiro. Uma forasteira, paulista do interior de São Paulo, de Florida Paulista, que morou e estudou em Campinas por cinco anos antes de chegar ao Rio

Por Virginia Berriel


O Rio sempre foi o meu desejo de consumo. Morar e trabalhar na Cidade Maravilhosa estava nos meus planos desde que cheguei a Campinas, em 1984 – uma jovem franzina e muito assustada. Ao invés de estudar jornalismo, como pretendia, pois já tinha experiência devido a passagens, pela redação, por três anos consecutivos, nos veículos “Jornal a Hora” e “Jornal a Hora Regional”, em Adamantina (SP), optei por trabalhar. Em Campinas fui mais ousada, fiz teste e passei, e fui estudar teatro, no curso a Formação de Ator, no Conservatório Musical Carlos Gomes, uma escola tradicional de formação de atores em Campinas, de 1985 a 1987.

Estudei teatro com afinco e ingressei na carreira de atriz, participei de grandes montagens na formação “O Despertar da Coruja” e “Utopia Gerais”. Daí, vieram as viagens. Assim, Campinas ficou pequena para tantos projetos e sonhos. Antes de sair de Campinas ainda passei pelo Living Theatre, na época, dos festivais de Teatro da Unicamp. Era o que queria fazer.

Vim ao Rio a passeio e posteriormente já decidida a alugar um apartamento, fiquei hospedada no apartamento de uma prima, que na época, residia no Jacarezinho – ali eu deveria ter desistido de mudar para o Rio.

Certa vez, peguei o ônibus no Jacaré com destino a Copacabana. Dentro do ônibus ocorreu uma ação policial. A pessoa que estava sentada ao meu lado, me puxa e empurra para debaixo do banco, ouço tiros, o ônibus é esvaziado, com um morto estirado ali dentro – saí tremendo, com a sensação que nunca mais conseguiria parar de tremer… Dois dias depois peguei outro ônibus no Largo do Machado com destino ao Jardim Botânico e no meio do Túnel Rebouças, dentro do ônibus, um sujeito se levanta, com uma faca enorme assalta e leva os pertences dos passageiros. Desta vez, de forma instintiva, me atirei debaixo do banco. Ouvi tiros. Tinha um policial à paisana dentro do ônibus e os tiros acertaram os braços do assaltante que deixou cair a faca e saiu correndo, saltando em meio aos carros.

Bem, estava batizada, assustada, mas não desisti do Rio apesar do medo e do encanto. A cidade me encantava com a sua beleza e luz. Duas semanas após, em janeiro de 1991, já estava morando no Rio, no Largo do Machado. Estava muito feliz com um turbilhão de emoções, sonhos e afazeres porque tinha que sobreviver literalmente na Cidade Maravilhosa.

Ontem, em mais um dia de barbárie no Rio, fiquei estarrecida, em uma sensação muito além do medo – na verdade, de abandono, incapacidade e revolta. Revolta porque todos nós ficamos reféns; porque a população do Complexo da Penha e do Alemão, ficou refém, com moradores e trabalhadores encurralados, na mira dos tiros. Tiros que tiraram a vida de mais 100 pessoas.

Mais de cem pessoas, elas não são números, na verdade é o retrato de um estado mal governado, falência total desse governo, face explícita da barbárie. Segurança pública não existe, nunca existiu. É um deboche desse governador que brinca com a vida, com os direitos de uma população pobre, preta e favelada que luta todos os dias para sobreviver. Claudio Castro é a cara do desgoverno, tentando imitar Trump que manda abater barcos no Oceano Pacífico sobre suposta acusação de serem traficantes de drogas. Será que são? Absurda é a forma, manda abater, matar, sem prender e provar tal acusação e dar o direito de defesa.

As operações, em águas no Pacífico, certamente inspiraram Claudio Castro. A pessoa é um embuste; que, de forma leviana, ainda tentou macular o governo federal, de forma mentirosa, acusando de não tê-lo ajudado. Isso, em uma operação dessa envergadura sem qualquer aviso, talvez por interesses escusos, políticos ao certo. Foi protagonista de um massacre.

E na minha cabeça passa um filme, das outras operações, com várias mortes, como no Jacarezinho, em 2021 com 28 mortos; na Vila Cruzeiro, Complexo da Penha em 2022, com 25 mortes; Complexo do Alemão em 2007, com 19 mortes, entre outras operações desastrosas e nenhuma política de segurança eficiente foi implementada.

Esta megaoperação foi um desastre, uma vergonha – e nada tem de sucesso, como Cláudio Castro apregoa. Um ataque frontal aos direitos humanos, à civilidade e à vida. Foi um massacre, precisamos repetir mil vezes e repudiar essa ação.

Esse governador deveria pedir para sair. Ele sim precisa ser julgado pelos seus atos. Foi um massacre sem precedentes e não podemos normalizar o que aconteceu, além de todos os danos e transtornos causados por esse desastre operacional.

O Rio de Janeiro não aguenta mais tanta dor, não merece a barbárie a que foi submetido. Outubro de 2025, “28”, ficará na história, manchado de sangue e sofrimento. Fiquei horrorizada, impactada com os transtornos: a cidade praticamente paralisada, o direito de ir e vir interrompido, o comércio e até shoppings de portas arriadas. Além de todas as vidas abatidas, como se fossem bois, gado; como se fossem coisas. Não dá para aceitar isso.

Fiz uma viagem no tempo, do interior paulista, do Teatro ao jornalismo, do amor que tenho por esta cidade, pelo povo carioca, e chorei… Mas convicta de que precisamos ter uma política de segurança pública que defenda a vida.

Quando tivermos uma política eficiente de segurança pública e investimentos que garantam trabalho, educação, saúde, cultura, inclusão social e menos desigualdades, estaremos no caminho certo.

Os traficantes precisam ser presos, julgados e punidos por seus atos. Não temos pena de morte em nosso país, mas temos uma guerra no Rio de Janeiro, cidade cartão postal do mundo. E o que dirá o mundo sobre essa barbárie?

Eu, defensora da vida, militante dos direitos humanos, estou em choque. Muitos cariocas também. O 28 de outubro, dia do massacre, foi aniversário do meu filho, Vitor Tadeu, também comemoramos nessa data o dia de São Judas Tadeu, santo das causas impossíveis. E não pode ser impossível por fim a política da morte. Meu filho programou de encontrar os amigos e comemorar, mas suspendeu, se trancou, incrédulo. Assim como muitos cariocas, os familiares dos mortos e as vítimas que sobreviveram a esta mega barbárie.

Cláudio Castro precisa ser devidamente punido pelos seus atos.

Basta!


*Virginia Berriel é presidenta do Sindicato dos Jornalista do Município do Rio de Janeiro

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