BRICS discutem rumos do bloco em ambiente popular
A cúpula popular reúne representantes de 21 países no Rio para discutir multipolaridade, desdolarização e cooperação entre movimentos sociais e governos do BRICS
A partir desta segunda-feira (01/12), o Armazém da Utopia, no Cais do Porto, no Rio de Janeiro, se transforma em um dos principais pontos de encontro político do ano. Começa ali a Cúpula Popular dos BRICS, iniciativa inédita que reúne cerca de 150 representantes de movimentos sociais, partidos, intelectuais e organizações da sociedade civil dos países que compõem — ou dialogam com — o bloco. A programação segue até quinta-feira (04/12), abrindo espaço para debates que vão da reconfiguração da geopolítica internacional à desdolarização e aos caminhos de uma cooperação econômica mais justa.
O encontro ocorre em um momento em que os BRICS, originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, expandem sua presença no cenário global. Hoje, o bloco reúne 11 países, após a entrada de Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. Sob a liderança brasileira — que se encerra em 2026, quando a presidência rotativa passa para a Índia — o grupo vive uma fase de fortalecimento da articulação política entre nações do Sul Global.
Conselho Popular dos BRICS ganha protagonismo
A Cúpula Popular marca a primeira grande atividade do Conselho Civil Popular dos BRICS, criado e reconhecido durante a Cúpula de Líderes de Kazan, na Rússia, em 2024. A partir desse espaço, movimentos populares e organizações civis buscam aprofundar o diálogo com governos do bloco, elaborando propostas que reflitam as demandas de seus povos.
“Estamos aproveitando a iniciativa dos governos para construir espaços de debates dos movimentos populares e de entidades da sociedade civil. Aproveitamos para construir processos de cooperação política, tecnológica e de troca de experiências para enfrentarmos os problemas comuns que temos em todos os países”, afirma João Pedro Stedile, liderança do MST e integrante do Conselho Popular.
Segundo Stedile, diversos grupos temáticos já se reúnem virtualmente há meses, e a cúpula presencial permitirá consolidar avaliações e propostas. “Depois devemos transformar em documentos para serem enviados ao conjunto dos governos [do BRICS]”, explica.
Além dos países-membros e associados, o encontro também convidou representantes populares de Venezuela, Argentina, Uruguai, México e Colômbia, ampliando ainda mais o caráter latino-americano do debate.
Presenças de destaque e início da programação
Logo no primeiro dia, está prevista uma coletiva de imprensa às 11h, no próprio Armazém da Utopia, para apresentar os objetivos da iniciativa e propor uma leitura popular sobre o papel dos BRICS na ordem global. A entrada será permitida mediante credenciamento.
Entre as autoridades confirmadas estão o sherpa brasileiro no bloco, o embaixador Maurício Carvalho Lyrio, e Antônio Freitas, subsecretário de Finanças Internacionais e Cooperação Econômica do Ministério da Fazenda — figura central na interlocução do Brasil nas áreas econômicas dos BRICS e do G20. A presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e ex-presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, participará de forma virtual, reforçando o peso político e simbólico da atividade.
Participação popular ganha espaço durante presidência brasileira
Para Marco Fernandes, analista de geopolítica e membro do Conselho Popular dos BRICS, a abertura dada às organizações sociais durante a presidência brasileira do bloco representa um avanço significativo. Segundo ele, o convite feito ao conselho para participar da segunda reunião de sherpas, em abril, no Rio, já simbolizava uma mudança de postura.
“Lá tiveram presentes todos os conselhos e fóruns do BRICS, marcando a presidência brasileira no sentido de abrir diálogo com a sociedade civil. Isso é algo muito incomum”, avalia.
Outro episódio considerado histórico por Fernandes ocorreu na Cúpula de Líderes, em julho, quando representantes dos conselhos foram convidados para uma sessão com chefes de Estado. “Nosso representante, João Pedro Stedile, leu algumas das nossas recomendações diante de todos os chefes. Foi a primeira vez na história que isso aconteceu”, relembra.
A realização da Cúpula Popular no final de 2025, segundo ele, serve para “coroar” esse ciclo de abertura: “É um momento importante para discutir os próximos passos, qual a nossa estratégia, para onde nós queremos apontar a construção do conselho popular a nível internacional”.
Fernandes ainda destaca a importância de que as próximas presidências — Índia em 2026, China em 2027 e África do Sul em 2028 — mantenham o compromisso de diálogo estabelecido pelo Brasil.
Localizado na avenida Rodrigues Alves, no Armazém 6 do Cais do Porto, o Armazém da Utopia recebe, ao longo da semana, um evento que pretende consolidar o papel dos movimentos populares na construção de um BRICS cada vez mais plural, multipolar e conectado às demandas reais do Sul Global.
