O ‘síndico da Penha”, Grandão, ainda segue livre após chacina do Estado

Conheça Washington César Braga da Silva, o Grandão, que gerencia a rotina do tráfico como um gestor público, com folha de pagamento, regras e hierarquia


Em uma demonstração de força que já entra para os anais da violência urbana como um capítulo sombrio, a megaoperação policial deflagrada na última terça-feira (28) nos Complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio, termina com um gosto amargo de fracasso e a sombra de sua própria brutalidade. A ação, já considerada a mais letal da história do estado, tinha alvos claros, mas eles se dissiparam, deixando para trás o rastro de uma estratégia de segurança pública que prioriza o confronto em detrimento da inteligência.

No centro dessa engrenagem de poder paralelo, que a operação buscava desmantelar, está um homem de 35 anos cuja alcunha revela a natureza de sua função: Washington César Braga da Silva, o Grandão.

Investigações da Delegacia de Repressão à Entorpecentes (DRE), da Polícia Civil fluminense, revelam que Grandão não é apenas mais um soldado do tráfico. Ele atua como um verdadeiro gerente geral do Comando Vermelho (CV) na região. Ele é, como conhecido no mundo do crime, o “síndico da Penha”.

O termo “síndico”, que na vida civil remete à administração cotidiana de um condomínio, ganha contornos de um estado paralelo sob o comando de Grandão. É ele quem organiza a vida funcional do crime no Complexo da Penha.

Segundo os investigadores da DRE, suas atribuições são vastas e complexas, mimetizando a estrutura de uma grande corporação ou de uma administração pública ausente. Cabe a ele:

  • Definir as escalas de plantão na segurança armada dos pontos de vendas de drogas;
  • Organizar a logística do pagamento dos traficantes, a folha salarial da facção;
  • Estabelecer normas de comportamento da quadrilha, atuando como um código de conduta interna que rege até mesmo o comportamento nos bailes da comunidade;
  • Delinear as estratégias de defesa territorial contra facções rivais e, principalmente, contra as forças do estado;
  • Gerenciar os volumes financeiros movimentados pela venda de entorpecentes.

Na prática, Grandão é o administrador que garante que a máquina do CV funcione diariamente, enquanto o estado só se faz presente através de operações bélicas como a de terça-feira.

A megaoperação, que mobilizou um aparato de guerra colossal, tinha Washington César Braga da Silva como um de seus alvos prioritários. Ele é apontado como um dos integrantes mais próximos da cúpula do Comando Vermelho, com linha direta com Edgar Alves de Andrade, o Doca, considerado o chefe da facção nas ruas.

Doca, líder do CV e alvo central de megaoperação no RJ / Reprodução

Apesar da magnitude da ação policial e do seu trágico recorde de letalidade, o resultado prático na captura das lideranças foi nulo. Tanto Grandão quanto Doca, os principais nomes na lista de procurados, conseguiram fugir do cerco policial.

A fuga dos chefes, no mesmo dia em que o estado promove sua operação mais letal, expõe a trágica ineficácia do modelo de “guerra às drogas”. O “síndico” segue administrando o território, e a estrutura que permite sua existência permanece intacta, enquanto a população local é quem paga o preço mais alto pela falha crônica da segurança pública.

A fuga de Grandão da megaoperação mais letal da história não foi um mero acaso; foi a sobrevivência do cérebro administrativo que mantém o Complexo da Penha sob a lógica do Comando Vermelho. A função de gestor exercida por ele é o que garante a coesão da estrutura, transformando um aglomerado de criminosos em uma organização funcional.

Enquanto o Estado aposta na invasão e no confronto, a gestão de Grandão se vale da tecnologia e da organização interna. Segundo as investigações, é ele quem define a escala de plantão dos criminosos e, em seguida, a distribui em um grupo de aplicativo de mensagens diretamente à cúpula da facção na Penha.

É uma logística militarizada. Os criminosos são meticulosamente divididos em postos e funções, todos, invariavelmente, fortemente armados. O “síndico” tem autoridade para designar até mesmo as equipes mais sensíveis, definindo quem será responsável pela segurança pessoal de Doca, o líder máximo nas ruas.

Seu papel de gestor se confunde com o de um estrategista militar. A investigação aponta que Grandão orienta sobre os pontos de contenção armada, determinando a criação e o posicionamento de estruturas como as trincheiras no mato. Ele é a voz de comando que dá ordens diretas aos soldados do tráfico na comunidade, gerenciando o dia a dia da guerra.

O “Estado Paralelo” e a gestão social

Mas o poder do “síndico da Penha” transcende a gestão bélica e financeira. Em uma demonstração clara de como o poder paralelo ocupa o vácuo deixado pelo poder público, Grandão também atua como um regulador social. Cabe a ele emitir comunicados sobre as normas de comportamento da comunidade, inclusive em atividades recreativas.

Essa faceta de sua administração expõe a complexidade do domínio territorial. Em uma das ordens interceptadas, destinada a um grupo no aplicativo de mensagens, Grandão proibia terminantemente que criminosos entrassem armados em uma festa no campo de futebol local.

A ordem era clara: nenhum traficante deveria usar arma no local da festa “a fim de não constranger os moradores”.

A determinação, que também incluía a proibição de bebidas alcoólicas, não era um pedido, mas uma regra que se aplicava a toda a hierarquia, de “gerentes” (responsáveis pelas vendas e subordinados) a “vapor” (os vendedores diretos da droga), ou qualquer outro integrante da quadrilha. Os fuzis, símbolo máximo do poder bélico que a megaoperação de terça-feira tentou (e falhou) em subjugar, foram vetados pelo próprio “síndico” no espaço de lazer.

Enquanto a operação “mais letal da história” levou o terror e a imagem de armas de guerra para dentro da comunidade em plena luz do dia, a gestão de Grandão busca, paradoxalmente, criar uma aparência de normalidade e ordem nos momentos de folga, regulando o uso da força para garantir a paz social que o próprio Estado não consegue entregar.

Mensagem disparada por Grandão para traficantes do Complexo da Penha — Foto: Reprodução
Mensagem disparada por Grandão para traficantes do Complexo da Penha / Foto: Reprodução

Com informações de g1*

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