Confronto deixou 10 policiais feridos e cinco civis baleados no Rio
Policiais e civis continuam internados após a megaoperação que transformou os complexos da Penha e do Alemão em zonas de guerra
O Rio de Janeiro ainda conta seus mortos e cuida de seus feridos. A megaoperação policial que transformou os complexos da Penha e do Alemão em praças de guerra na última terça-feira (28) deixou um rastro de sangue e dor que se estende pelos corredores dos hospitais da cidade. Enquanto o Governo do Estado contabiliza os corpos, as famílias aguardam notícias de quem sobreviveu, seja um agente do Estado ou um morador pego no fogo cruzado.
A face mais cruel e aleatória dessa política de confronto se revela nos leitos hospitalares. Pelo menos cinco civis, pessoas comuns cujas vidas foram brutalmente interrompidas pela violência, estão sendo tratados em diferentes unidades de saúde.
No Hospital Getúlio Vargas, na Penha — que ironicamente se tornou o epicentro do atendimento aos feridos da operação em sua vizinhança —, deram entrada dois moradores. Um deles, um homem em situação de rua, cuja única proteção contra o mundo era o asfalto, e um outro homem que estava simplesmente em um ferro-velho. Ambos foram atingidos por tiros.
Em outras partes da cidade, o drama se repete. Um mototaxista, trabalhador que tentava ganhar a vida em meio ao caos, foi ferido durante o confronto e levado às pressas para o Hospital Albert Schweitzer, em Realengo. Outras duas pessoas foram internadas no Hospital Salgado Filho, no Méier. Segundo a Secretaria de Saúde, estes três feridos, além dos dois moradores no Getúlio Vargas, apresentam quadro estável. Uma estabilidade frágil, diante da realidade de uma cidade que normalizou a barbárie.
Do outro lado da mira, o Estado também conta suas baixas. Dez policiais militares que participaram da incursão seguem internados. A corporação, que não divulgou nomes ou patentes, informou que dois desses agentes estão em estado grave, lutando pela vida.
A situação no Hospital Getúlio Vargas é um retrato da tensão que permanece no ar: a segurança na unidade precisou ser reforçada, transformando um local de cura em uma extensão do território conflagrado, tamanha a quantidade de agentes feridos ali internados.
Mas são os números finais, frios e assustadores, que revelam a dimensão da tragédia chancelada pelo poder público. O Governo do Rio de Janeiro confirmou o saldo da operação: 121 óbitos.
Deste total, quatro eram policiais. Os outros 117 foram classificados oficialmente como “suspeitos de envolvimento com o crime organizado”. Cento e dezessete vidas ceifadas sob uma mesma rubrica, um número que, por si só, questiona a proporcionalidade e o objetivo de uma operação que mais se assemelha a uma política de extermínio do que de segurança.
Enquanto os agentes feridos recebem cuidados em hospitais reforçados e os civis se recuperam silenciosamente, o Rio de Janeiro é forçado a engolir mais um massacre como se fosse rotina. A pergunta que ecoa pelas vielas da Penha e do Alemão não é sobre o sucesso da operação, mas sobre quem será a próxima vítima dessa guerra sem fim contra os pobres.
A contabilidade oficial do horror, no entanto, só cresceu. A megaoperação, já considerada a ação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, teve seus números finais atualizados pela cúpula da segurança nesta quarta-feira (29). O secretário da Polícia Civil, Felipe Curi, confirmou o que as comunidades já sabiam: o número de mortos é muito maior do que o imaginado.
Ao todo, o governo agora admite 121 óbitos.
Esta atualização enterra a narrativa de uma operação controlada e expõe uma política de confronto banhada a sangue. Dos 121 mortos, quatro eram policiais. Os outros 117 foram classificados como “suspeitos” de envolvimento com o crime.
A contabilidade macabra: onde estão os corpos?
A discrepância nos números ao longo das últimas 24 horas expõe o caos informativo e a aparente tentativa de controlar a narrativa. Enquanto o governador Cláudio Castro (PL-RJ) confirmava apenas 58 mortos na manhã de quarta, poucas horas depois, seu secretário de Polícia Civil elevou o número para 121.
A explicação para o salto está na mata.
No dia seguinte à operação, enquanto as autoridades falavam em números menores, foram os próprios moradores da Penha que afirmaram ter retirado 74 corpos da Vacaria, uma área no alto da Serra da Misericórdia. A região, que divide os complexos, foi o epicentro do confronto. Os corpos, segundo relatos, foram levados pelos moradores para uma praça.
A versão oficial diverge ligeiramente, mas confirma a carnificina na vegetação. O secretário Felipe Curi admitiu “63 corpos achados na mata”, que se somaram aos “58 neutralizados” de terça, totalizando os 121 óbitos. A frieza burocrática dos termos — “neutralizados”, “achados” — mal consegue esconder a realidade da chacina.
O governo informou que “haverá uma perícia para ver se há relação entre essas mortes e a operação”, uma declaração que beira o absurdo, visto que os corpos apareceram exatamente onde a polícia admitiu ter encurralado os supostos criminosos.
Além dos mortos, Curi informou que 113 pessoas foram presas, sendo que 33 seriam de outros estados, como Amazonas, Ceará, Pará e Pernambuco.
O “sucesso” e o “dano colateral pequeno”
Para o governador Cláudio Castro, a operação que deixou 121 mortos foi um “sucesso”.
Em uma declaração que define a ótica do governo sobre a tragédia, Castro afirmou que só os quatro policiais mortos são “vítimas”. A fala, na prática, desumaniza os outros 117 mortos, negando-lhes a condição de vítimas, independentemente das circunstâncias de suas mortes. O governador, mais cedo, preferiu não comentar os 74 corpos encontrados pelos moradores na mata.
O secretário de Segurança Pública, Victor Santos, foi na mesma linha. Diante da operação de “alto risco”, que mobilizou 2.500 policiais, Santos classificou o “dano colateral” como “muito pequeno”. Para ele, “apenas quatro pessoas inocentes morreram durante a ação” — um número que ignora os cinco civis feridos, incluindo o mototaxista e o homem em situação de rua, que ainda lutam para se recuperar nos hospitais.
A estratégia do “muro do Bope”
A explicação para a alta letalidade, especialmente na área de mata, veio do próprio secretário da Polícia Militar, Marcelo de Menezes. Em coletiva, ele detalhou a tática de guerra empregada.
Segundo Menezes, as forças de segurança criaram o que ele orgulhosamente chamou de “Muro do Bope”.
A estratégia consistiu em fazer os policiais avançarem pela Serra da Misericórdia para cercar os criminosos. O objetivo, admitido pelo secretário, era “empurrá-los em direção à mata”.
O que os esperava lá era, essencialmente, uma armadilha. Conforme explicado por Menezes, “outras equipes do Batalhão de Operações Especiais [Bope] já estavam posicionadas” na mata.
A confissão da cúpula da segurança desenha a tática: um cerco feito para empurrar dezenas de pessoas para uma zona de emboscada pré-estabelecida. O resultado dessa estratégia são os 74 corpos encontrados pelos moradores na mata e os 121 mortos na contabilidade do Estado.
