A hora e a vez do Ministério de Segurança Pública!

O governo Lula precisa agir rápido. A nova crise na segurança pública do Rio de Janeiro, que rapidamente mobilizou toda a opinião pública nacional, é um momento estratégico para Lula fazer o que praticamente todos os grandes especialistas na área têm sugerido: a criação de um Ministério da Segurança Pública. É uma questão de visibilidade e comunicação, pois é crucial, do ponto de vista político, que a população veja que o governo tem um departamento especializado só nisso.

O ministro Lewandowski pode permanecer à frente do Ministério da Justiça, uma pasta que terá suas atribuições reforçadas de outras maneiras. Contudo, o novo Ministério da Segurança necessita de um quadro político com grande capacidade de comunicação e articulação com governadores, deputados e a sociedade, além de uma estrutura que inclua uma equipe de alto nível e uma estratégia de comunicação muito forte.

Assim como a Frente Ampla Democrática conseguiu resgatar a bandeira do patriotismo e da soberania, este é o momento de assumir a bandeira da luta contra o crime. A crise, apesar de revelar pela enésima vez a incompetência do governador Cláudio Castro e o oportunismo da direita radical brasileira, disposta a sacrificar até mesmo a vida de policiais se for para obter lucro político, expõe vulnerabilidades importantes do Governo Lula, que obviamente já estão sendo exploradas pelo bolsonarismo.

O Rio de Janeiro experimentou um dia de caos. A megaoperação ocorrida nesta terça-feira nos Complexos do Alemão e Penha, que mobilizou cerca de 2.500 policiais, paralisou a cidade. Escolas, hospitais, universidades e comércio fecharam as portas. Vias expressas foram bloqueadas. O prejuízo à economia da cidade foi gigantesco, sem contar o trauma psicológico imposto a centenas de milhares de moradores da região.

A precipitação da extrema-direita, contudo, expôs suas intenções. Esse talvez seja o único lado construtivo que a crise oferece à Frente Ampla Democrática, liderada por Lula. O fato de ter ocorrido agora lhes dá tempo hábil para reverter esse jogo antes do pleito de 2026. A Frente Ampla Democrática precisa formular uma estratégia eficaz para neutralizar o ataque mais perigoso: o despertar dos demônios fascistas que habitam sociedades com problemas profundos.

O que está em jogo é o controle das narrativas, e não apenas ações objetivas de Estado. A direita fascista apela ao instinto de violência para mobilizar a população assustada com as imagens de caos em defesa de soluções de força autoritárias, que não resolvem a situação, mas vendem a ilusão de uma solução baseada na violência.

As comunidades afetadas já contabilizaram mais de 130 mortos, sendo 74 corpos encontrados na mata. A contagem oficial da intervenção, contudo, confirmou 121 mortes, incluindo quatro policiais, além de 81 presos e 93 fuzis apreendidos. Não há ainda confirmação se os mortos são suspeitos de algum crime.

Em artigo publicado no Cafezinho, Jaqueline Muniz, pesquisadora do Departamento de Segurança Pública da UFF, fez duras críticas à ação policial do governador Cláudio Castro. “Foi o espetáculo eleitoreiro”, disse Muniz.

O resultado da ação foi o fracasso, com um saldo trágico de mortes e feridos. Muniz critica o fato de a intervenção ter sido conduzida por agentes generalistas, sem qualificação para operações de alto risco, expondo policiais sem treinamento adequado a um risco desnecessário.

A ofensiva não ocupou o território e gerou insegurança para a população, o que é o oposto do papel da polícia. A ação eliminou a mão de obra barata, facilmente substituível, enquanto os núcleos dirigentes do Comando Vermelho permanecem intocados. Além disso, a ação sabotou o trabalho de inteligência e investigação, matando os infratores que poderiam revelar as parcerias entre Estado e o crime.

A intervenção revelou um planejamento politiqueiro e o esgotamento do recurso repressivo policial. A análise de Muniz conclui que a ação representou o abandono da população e a paralisação da cidade, sem qualquer resultado estratégico duradouro.

Contudo, Muniz também não poupa a administração federal. Em conversa com o Cafezinho, a pesquisadora concordou que seria uma ótima oportunidade para o presidente Lula fazer uma reforma ministerial, criar o Ministério de Segurança Pública e aumentar a visibilidade do que o governo está fazendo nesse tema.

Ela alerta que não é preciso esperar nenhuma PEC para colocar em ação uma série de iniciativas que podem ter efeito rápido no país. Segundo ela, a legislação brasileira já comporta os dispositivos necessários para uma série de ações de grande visibilidade que serão essenciais para o presidente Lula. O governo cometerá um erro se transformar o debate de segurança pública numa pauta legislativa ou, pior, judicial, pois isso seria dar tempo para a direita radical produzir essa pauta para ganhar tração nas eleições de 2026.

Entretanto, a Frente Ampla Democrática precisa tomar cuidado com armadilhas semânticas. A comunicação política exige clareza sobre de que lado se está. Segundo o jurista alemão Carl Schmitt, o conceito da política se materializa na psique humana pela dicotomia amigo-inimigo. A Frente Ampla Democrática precisa deixar claro em toda comunicação, portanto, que o bandido é o inimigo do povo e que o Estado brasileiro precisa combatê-lo.

A mensagem deve ser direta: o Estado, em sua totalidade, incluindo engenheiros civis a serviço do governo, juízes, professores e agentes sociais, e não apenas a polícia, é o responsável pelo combate ao crime.

A prova de que a direita queimou a largada é a comparação descabida com El Salvador. O deputado federal Nikolas Ferreira postou que, ao tomar o poder, transformará o Brasil em uma “grande El Salvador”, utilizando uma foto de prisioneiros amarrados e seminus.

A direita radical tenta importar modelos autoritários, mas ignora a desproporção. El Salvador tem apenas 6 milhões de habitantes, o que equivale ao tamanho de uma grande capital brasileira. Sua renda per capita é menos da metade da brasileira. A economia salvadorenha representa uma fração mínima da brasileira. Os problemas e as soluções são, portanto, completamente diferentes.

O modelo de Bukele, que o bolsonarismo tenta importar, veio acompanhado do desmantelamento sistemático dos fundamentos democráticos do país. Isso inclui a independência judicial, a liberdade de imprensa e o direito às garantias fundamentais.

A criação de um Ministério da Segurança Pública, portanto, não seria apenas uma medida administrativa, mas uma resposta política à altura da gravidade do momento. Lula precisa transformar a crise em oportunidade e convencer a população que o combate ao crime não se faz mergulhando o país em soluções autoritárias ou fascistas.

Mas o presidente e todo o campo progressista devem assumir e defender que a segurança dos cidadãos é uma das mais importantes causas democráticas.


Por Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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