Entenda a metamorfose no discurso de Cláudio Castro
O governador passa de “minha polícia está estruturada” a “preciso de blindados e apoio federal”, enquanto vidas se perdem nas comunidades
Sete meses. Este é o curto espaço de tempo que separa duas declarações antagônicas do governador Cláudio Castro (PL) e que expõe, de forma crua, o abismo entre o discurso oficial e a realidade vivida pela população fluminense.
Enquanto o governador e o Palácio do Planalto travam uma batalha de narrativas, o povo do Rio de Janeiro segue refém, espremido entre a violência crônica e o descaso de quem deveria protegê-lo.
Em março deste ano, em tom de absoluta confiança, Castro garantia que a segurança pública do estado estava sob controle. Em entrevista ao portal Metrópoles, ele foi enfático: “Eu não preciso que ninguém entre com polícia nova no Rio. A minha polícia está estruturada”. Na visão do governador, o papel do governo federal deveria se limitar a “cuidar das fronteiras, da lavagem de dinheiro e manter bandido preso”.
A autossuficiência, no entanto, evaporou com a mesma velocidade com que a crise se instalou.
Bastou o estado mergulhar em mais um ciclo de violência extrema, culminando na operação mais letal da história recente do Rio, para que o discurso de força desse lugar ao desespero. O mesmo governador que dispensava ajuda federal agora assume um tom de vítima, afirmando estar “sozinho” no enfrentamento ao crime.
Em uma mudança drástica de rota, Cláudio Castro agora tenta transferir a responsabilidade pela tragédia para o governo Lula (PT). O governador acusa o Planalto de abandono, alegando que Brasília teria se negado a decretar uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e, pior, teria recusado três pedidos formais para o empréstimo de veículos blindados das Forças Armadas.
A acusação, grave, foi prontamente rebatida. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, veio a público garantir que nenhum pedido formal de blindados chegou à sua mesa, sugerindo que a cobrança de Castro não passou de uma jogada para as câmeras.
O cálculo político por trás da fumaça
A mudança abrupta de narrativa não passou despercebida em Brasília. No Palácio do Planalto, a leitura é unânime: o governador fluminense tenta politizar a tragédia e encontrar um culpado externo para o fracasso de sua própria política de segurança.
Para integrantes do governo federal, Castro usa o caos como plataforma eleitoral antecipada, mirando as disputas do próximo ano. É uma tentativa clara de transferir responsabilidades.
Desde que assumiu definitivamente o Palácio Guanabara, o governador do PL tem investido pesado em uma retórica de enfrentamento e autonomia estadual. Contudo, essa postura não se traduziu em resultados duradouros para a população.
A cada nova crise, a promessa de uma “polícia estruturada” se desfaz diante dos números assustadores. O que se vê são comunidades sitiadas, operações que resultam em dezenas de mortos – quase sempre moradores inocentes – e um sistema prisional que falha em sua função básica, operando como um escritório do crime organizado.
A contradição como método
A atual cobrança por apoio federal soa ainda mais contraditória quando lembramos do debate promovido pelo jornal O Globo em julho. Na ocasião, Castro voltou a se posicionar firmemente contra qualquer ampliação da presença da União no combate à criminalidade no Rio.
Ele criticou duramente a PEC da Segurança Pública, proposta pelo governo federal, que visa justamente fortalecer a coordenação nacional e a integração entre as polícias. Castro classificou a medida como um “subterfúgio” e bradou que o que falta ao país é “vontade política”.
O governador parece ignorar que é exatamente a ausência de políticas integradas, de inteligência e de foco social, que mantém o Rio de Janeiro neste estado permanente de emergência e luto.
Agora, diante da comoção nacional provocada pela escalada de mortes nas favelas e da pressão da opinião pública por respostas, o discurso mudou. A frase “minha polícia está estruturada” deu lugar a um desesperado “preciso de blindados e apoio federal”.
O custo humano da disputa
Enquanto a política se converte em um campo de batalha de vaidades e cálculo eleitoral, o povo fluminense segue soterrado. A cada nova tragédia, cresce a sensação de que a segurança pública virou uma peça de marketing, e não uma política de Estado.
No jogo de empurra entre o Palácio Guanabara e o Palácio do Planalto, as vítimas continuam sendo as mesmas de sempre: os moradores das comunidades, os trabalhadores que cruzam territórios em conflito e as famílias que vivem o luto como uma rotina macabra.
A contradição de Cláudio Castro não é apenas uma falha retórica; ela simboliza o colapso de um modelo de governo que há décadas aposta na violência como única solução e na propaganda como escudo.
O Rio de Janeiro precisa, urgentemente, de inteligência, de investimento social profundo e de uma articulação federativa séria e despida de vaidades. O que tem recebido, no entanto, são discursos de conveniência e a promessa de blindados que nunca chegam.
