Torturada pela ditadura, Dilceia Quintela fala sobre os 60 anos do golpe
No marco dos 60 anos do golpe, RioCarta.com entrevistou Dilceia Quintela, militante comunista que foi torturada pela ditadura militar nos porões do DOI-CODI no Rio
O último dia 01 de abril registrou a passagem dos 60 anos do golpe militar no Brasil. Dezenas de atividades foram realizadas para marcar esse episódio triste da história brasileira.
Para registrar esse momento, o RioCarta.com entrevistou a Secretária estadual de Direitos Humanos do PCdoB, Dilceia Quintela. Dilceia falou sobre os 60 anos do golpe empresarial-militar de 1964 e sobre sua atuação e a do seu Partido na resistência à ditadura que assolou o país por 21 anos.
Dilceia, que foi separada de seu filho de quatro meses, presa, e torturada nos porões do DOI-CODI da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, fez questão de ressaltar a importância da derrubada da ditadura e da construção da democracia no Brasil:
“O golpe empresarial-militar de 1964 durou 21 anos, um período sombrio em que muitos brasileiros e brasileiras tiveram suas vidas ceifadas, muitos foram torturados e tantos outros estão até hoje desaparecidos. Foi um período de horror, como disse Chico Buarque, uma página infeliz da nossa história”.
“Foram anos tenebrosos do ponto de vista da liberdade, não tínhamos direito de ir e vir, qualquer reunião de três ou quatro pessoas já era considerada subversão. Portanto, ter conseguido vencer esse período e reconstruir a democracia no nosso país foi um grande salto. Claro que ainda temos uma democracia em construção, afinal tivemos muitos percalços desde 1985 até hoje, o mais recente aconteceu no dia 8 de janeiro de 2023. Ainda estamos num processo de construção da democracia. Nos últimos anos vimos o crescimento do neofascismo e isso nos mostra que é necessário cultivar a nossa democracia com muito cuidado, amplitude e humildade, buscando cada vez mais ampliar a unidade em defesa da nossa jovem democracia”, disse Dilceia.
A dirigente comunista também falou sobre a importância de preservar e fortalecer a memória sobre o golpe e a ditadura militar. Segundo Dilceia Quintela:
“Rememorar esses 60 anos do golpe é fundamental para que não seja esquecido jamais. Após tudo que vivemos, conquistamos a duras penas dias melhores. Lembrar desse passado é importante para construir o presente e o futuro do Brasil e da nossa democracia. Quando falamos de verdade, memória, justiça e reparação estamos buscando a garantia e o fortalecimento da democracia e da soberania em nosso país.”
Dilceia Quintela também falou sobre a história de luta do Partido Comunista do Brasil. De acordo com a dirigente comunista:
“A história do nosso partido está intrinsecamente entrelaçada com a luta do povo brasileiro. Desde de 1922 até os dias de hoje, o nosso partido sempre esteve ao lado do povo trabalhador, nós nunca trocamos de lado. A história do PCdoB é uma história de luta ao lado do povo buscando sempre avançar nos direitos dos trabalhadores, dos mais pobres, das mulheres, dos negros, e da juventude. Nesses 102 anos estivemos lutando pela emancipação do povo. Na ditadura não foi diferente, nós lutamos e muitos deram a vida para defender a democracia e o povo brasileiro. O PCdoB foi a organização que mais perdeu militantes durante a ditadura militar, centenas foram assassinados no Araguaia, nas cidades, e nas zonas rurais do nosso país. Perdemos muitos camaradas, mas nunca nos afastamos da luta.”
Dilceia também deu um depoimento emocionante sobre a sua trajetória no Partido e sua luta contra a ditadura empresarial-militar:
“Entrei no partido em dezembro de 1973, um momento de muita repressão. Já era uma liderança do grupo jovem da Igreja Católica de Nova Iguaçu, que era bastante progressista. Mas a essa altura eu já entendia que a Igreja tinha um certo limite e eu procurava algo além daquilo, mas eu ainda não sabia que era o Partido Comunista. Na época eu era uma comerciária que estudava à noite e militava aos fins de semana, foi quando conheci o PCdoB através de Nelson Naom, que posteriormente veio a ser meu marido. Meu primeiro contato com o PCdoB foi através da União da Juventude Patriótica, uma organização de juventude criada pelo Partido para buscar uma atuação legal. Foi ali que eu entendi que o caminho era o Partido Comunista do Brasil. Nelson já era dirigente do Partido e, naquele momento de forte repressão, ele só tinha três alternativas: ir para fora do país, ficar clandestino no Brasil, ou ser preso. Ele preferiu ir para a clandestinidade e foi morar na Baixada Fluminense, justamente quando nos aproximamos. Em fevereiro de 1974 resolvemos nos casar e eu fui para a clandestinidade com ele, um ano e meio depois nós fomos presos, no dia 31 de maio juntamente com 17 camaradas do PCdoB. Quando fui presa nada me ligava diretamente ao Partido aos olhos da repressão, e a orientação foi para que eu negasse tudo e dissesse que havia sido enganada pelo Nelson. Quando fui presa estava dando a primeira sopinha para o meu filho de quatro meses, até então ele só era amamentado e quem desmamou meu filho foi a ditadura militar. Foram me buscar armados até os dentes e me levaram para o DOI-CODI da Barão de Mesquita, mas antes disso consegui avisar à minha irmã e pedi que ela informasse ao Dom Adriano, que falou com Dom Eugênio e, na mesma noite, ele disse que tinha descoberto onde eu estava, mas não podia dizer. Acredito que isso fez com que os militares tivessem alguma precaução em relação a nós, apesar de todos terem sidos torturados, uns mais e outros menos, nós escapamos com vida. Fiquei cinco dias no DOI-CODI, um lugar onde sua prisão é clandestina e onde eles podiam fazer o que queriam com a gente, mas o sofrimento maior era saber que meu filho não estava sendo amamentado. Depois fiquei mais seis dias no DOPS. Após os nove meses de prisão do Nelson, nós voltamos para a Baixada para reconstruir o Partido em Nova Iguaçu e atuar nos movimentos sociais.”
Foto: Leonardo Nascimento